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Mergulhar em pessoas profundas é uma delícia

  • Foto do escritor: Leo Viramundo
    Leo Viramundo
  • 26 de mar. de 2017
  • 2 min de leitura

A perspectiva da entrega tem de ser sempre absoluta. Menos do que tudo é muito pouco, em se falando de entrega. Se entregar não é descer até o fundo do abismo pelas bordas do penhasco, escalando cuidadosa e vagarosamente. E nem é dar o salto quando você tem asas possantes. Muito menos ainda é saltar para o suicídio.

O sentimento de entrega tem de ser aquele sentimento de quem já saltou do penhasco e precisa aprender a voar antes de se esborrachar no fundo. Não dá pra voltar. Não dá pra pedir tempo. Não há espaço para arrependimento. Quando não é possível acreditar em outra coisa senão no vôo e não há qualquer realidade senão a queda livre; Isso é entrega.

Mas não estou com isso dizendo que a entrega deve ser inconseqüente ou kamikaze. O kamikaze não se joga para voar, mas para morrer. E o inconseqüente nem sabe porque se jogou. Talvez nem quisesse fazê-lo.

A entrega é consciente, embora muito mais profunda do que a própria consciência. Ela pressupõe total confiança, que por sua vez inspira a tranqüilidade. Mas não é passiva. A entrega é um ato. A verdadeira entrega é dinâmica e inspira o estado de alerta, mas não inspira medo, não inspira ansiedade e não inspira culpa. Não é mesquinha. Nem reticente. Não tem reservas, não se contém. É incondicional. A verdadeira entrega é um salto, é um mergulho.

Por isso, não é possível se entregar a pessoas rasas. Só é possível mergulhar em pessoas profundas – do contrário, corremos sério risco de sofrermos acidentes extremamente perigosos. Por outro lado, as pessoas não nascem rasas. Normalmente, não desejam ser rasas. Mas de alguma forma escolhem ser.

O raciocínio que rege nossa vida enquanto sociedade há séculos, milênios, gera um viver que vai nos assoreando aos poucos. Vamos sendo oprimidos, reprimidos, comprimidos, deprimidos e esfacelados por este mecanismo histórico-cultural. Uma máquina psicossocial de moer pessoas, mas uma máquina capaz de moer as pessoas através de intervenções metódicas e constantes no imaginário. Conforme somos moídos, são gerados muitos sedimentos. Esfacelando o que somos, secando e tornando pó o que sentimos.

E nós escolhemos ir acumulando todos estes sedimentos que a enxurrada cotidiana traz. Por medo, por indolência, por ignorância... Os motivos são inúmeros. Mas o fato é que nós escolhemos acumular estes sedimentos todos. E isso é um fato porque os sedimentos vão chegando aos poucos, diluídos na correnteza e, se não há um trabalho constante de retirada, só percebemos sua presença quando o acúmulo já é muito grande. Assim, vamos nos tornando pessoas rasas, pessoas assoreadas por suas próprias escolhas perante sua própria vida.

As pessoas profundas são aquelas que estão sempre no exercício constante de dragagem dos sedimentos. Elas sofrem o efeito da tromba d’água como todas as outras. Mas escolhem realizar incansavelmente a retirada dos detritos. É uma construção constante, um exercício diário, uma dedicação absolutamente compromissada. Determinada. E consciente.

Poder mergulhar no outro é uma das grandes belezas da vida.

Mergulhar em pessoas profundas é delicioso.

 
 
 

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Revirando o mundo, até ao fundo abismo desce

Em seus avessos empreendimentos estéticos.

Invertendo os contextos, entretanto, se esclarece

No enigma sutil de seus invertextos entrepoéticos.

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