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  • Foto do escritorLeo Viramundo

Sobre oprimidos e opressores

Um dia desses, presenciei um manifesto de algumas mulheres que militam pelo feminismo. Elas estavam protestando contra a hierarquização existente entre os gêneros, criticando a sociedade patriarcal e exigindo respeito e equidade para as mulheres. Ora, uma luta bastante justa a meu ver. Necessária, eu diria. Mais ainda: urgente.

Eu acredito que devemos lutar, sim, pela igualdade de direitos para todos os seres – inclusive os que não estão enquadrados na espécie humana. Uma luta iniciada na revolução francesa e que vem sendo atacada por uns e defendida por outros há mais de dois séculos. Particularmente, defendo esta ideia como algo central em minha vida, algo que norteia a minha própria identidade.

Mas vocês não me conhecem e não têm obrigação de saber disso. Talvez nem acreditem em mim quando eu digo. Mas quem me conhece sabe do que estou falando. Não sou perfeito e também sofro a influência cultural que domina nossa sociedade há milênios e, portanto, também cometo erros e ajo de maneira equivocada muitas vezes. Mas busco sinceramente agir conforme este princípio – o da equidade – o tempo todo.Assim sendo, com muita satisfação, resolvi me juntar a elas e reiterar suas provocações e críticas ao papel inferiorizado que é imposto às mulheres.

Acreditei que quanto mais vozes se somassem a este brado, maior seria sua reverberação e mais forte se tornaria.Para minha surpresa, fui rechaçado e escorraçado (verbalmente, é claro) como um cão sarnento num restaurante de luxo. Porque não sou uma mulher.

Houve também uma situação muito parecida que foi vivida por um amigo meu ao tentar se juntar ao grito de algumas pessoas que militam pela causa LGBT. Ele foi desqualificado e execrado por aqueles a quem ele estava tentando prestar apoio. Porque ele é heterossexual.

Já vivi algo semelhante ao tentar defender a causa do movimento negro – sendo que nesse caso eu nem tive oportunidade de me manifestar; o simples fato de eu não ser negro foi suficiente para que não me deixassem passar pela porta de entrada.Já vi coisa parecida em movimentos que defendem os pobres e diversos outros grupos que são marginalizados e inferiorizados, que são oprimidos.

Posso ter certeza de que existem muitos exemplos parecidos com estes três que cito acima, vividos por muitas pessoas mundo afora.Isso serve de introdução para falar de um assunto que é muito dito, mas muito pouco compreendido: o preconceito. Resolvi contar estas três situações porque considero muito emblemáticas. Trata-se de três grupos sociais que sofrem, historicamente, pelo preconceito. Com isso, quero dizer que são julgados não pelas pessoas que são, mas por sua origem, pelas suas opções ou pela sua biologia. E são julgados culpados e/ou inferiores porque não se enquadram numa imagem de status quo estabelecida por grupos de poder que manobram e influenciam as sociedades ocidentais há muito tempo, vendo todos os que não pertencem ao seu próprio grupo como escória ou como mercadoria. Isso é preconceito. Preconceito é ter um conceito preconcebido sobre algo, é estabelecer uma ideia cristalizada sobre alguma coisa antes mesmo de ter contato com esta coisa. É negar ao indivíduo o direito de escolher seu próprio caminho na vida, é oprimir – em todas as instâncias – o indivíduo numa visão completamente obtusa de que a uniformidade é o correto e que tudo o que não se enquadra nesta uniformidade é uma aberração. É a negação da diversidade.Veja bem, eu defendo a igualdade, não a uniformidade. Igualdade pressupõe o direito à diversidade, pois trata-se de buscar direitos iguais, oportunidades iguais, e não de condenar a vida a ser uma massa uniforme e estéril. Se tudo for uniforme, não há direitos iguais; há tirania.

A ideia de buscar direitos iguais justamente existe porque se entende que há uma diversidade e que essa diversidade deve ser protegida e valorizada. Ou seja, a uniformidade é tirania, é opressão, vista por qualquer ângulo que se possa olhar. Porque os indivíduos são diferentes desde a sua essência. E esse fato que se estende a todos os indivíduos é justamente a grande característica do universo.Então, fico me perguntando o quão contraditória é a atitude destes grupos citados nos exemplos do início do texto. Atitudes discriminatórias. Atitudes que excluem outras pessoas por não pertencerem à uniformidade daqueles grupos.

Um caso muito corriqueiro, diga-se. A psicologia fala muito do processo de recalque que faz com que os oprimidos se tornem opressores baseados num discurso de combate à opressão. Se cito a psicologia é justamente para dizer que não culpo estas pessoas por estas atitudes.Sei que as mulheres passam maus bocados há muitas gerações e são oprimidas, violentadas e inferiorizadas injustamente das formas mais absurdas e bárbaras possíveis, social, cultural, física, mental e emocionalmente. E concordo que isso deve ser combatido urgentemente.Também sei que a diversidade de opções sexuais (incluindo os transgêneros) também sofre com esta mesma circunstância opressora. Bem como as pessoas de pele negra. E também nestes casos, acredito sinceramente que a situação é insustentável, degradante e absurda, devendo ser combatida ferozmente. Esse raciocínio é válido para todos os grupos socialmente excluídos, marginalizados e inferiorizados. Oprimidos, enfim.Mas chamo a atenção de todos para um detalhe: Se nos tornamos aquilo que estamos combatendo, a batalha já foi perdida. Se nos tornamos opressores para vencer a opressão, fomos derrotados miseravelmente.Penso que essa reflexão deveria permear nossos pensamentos e, consequentemente, nossas atitudes o tempo todo quando militamos por uma causa desta natureza. A luta dos que são socialmente excluídos não deveria excluir ninguém, a meu ver. Isso me parece um contrasenso. A luta deveria ser sempre a favor de incluir os grupos que estão sendo excluídos, mas sem que para isso precisemos excluir outros grupos. Não se trata de trocar de papel com o opressor. Trata-se de acabar com todo tipo de opressão. E devemos sempre tomar cuidado com isso.

Como dizia o velho alemão, NIetzsche, “aqueles que lutam com monstros devem acautelar-se para não se tornarem também um monstro”.

Outra reflexão que me ocorre diante destes casos é sobre as consequências desta exclusão realizada pelos que são (ou se sentem) excluídos.

Sendo eu homem, branco, heterossexual, nascido na classe média, maior de 18 e menor de 65 anos, sou com frequência visto a priori como opressor. E considero injusto que assim seja. Isso é um preconceito. Acredito que, a menos que eu aja de fato como opressor, não posso ser taxado como tal. Não posso ser julgado pelos atos de gerações anteriores ou pelos atos de outras pessoas que também têm as mesmas características que eu apresento. Devo ser julgado pelo indivíduo que sou e pelos atos que eu mesmo realizo. De outra maneira, é preconceito e é opressão.

E minha reflexão é justamente acerca disso; se o único papel possível para um indivíduo como eu (homem, branco, heterossexual, de classe média, etc. e tal) é o de opressor, se não me permitem assumir qualquer outro papel, como podemos esperar que a opressão acabe? Se já é difícil combater a predisposição estabelecida histórica e culturalmente que esse grupo ao qual pertenço tem de perpetuar a opressão pelo simples fato de termos de realizar toda uma mudança na visão de mundo destes indivíduos, torna-se ainda mais difícil convencer os opressores de que eles devem deixar de ser opressores se, ao mesmo tempo, esse é o único papel que se permite que eles desempenhem.

Um exemplo interessante disso pode ser encontrado na relação da música norte-americana com as questões raciais. A música negra norte-americana é hoje a grande base de toda a música pop do mundo ocidental, em várias instâncias. Mas antes disso, ela era restrita aos guetos. Sua saída dos guetos deve-se ao fato de que homens brancos que romperam essa barreira estúpida buscaram-na lá e a expuseram para o mundo a revelia dos valores estabelecidos. Esses homens foram tratados como aberrações e sofreram todo tipo de retaliação por parte de seus pares por sua atitude. É claro que é um absurdo que o rock and roll já existisse em sua forma plena com Chuck Berry e só tenha sido reconhecido e valorizado quando Elvis apareceu. É revoltante que tenha sido preciso que a juventude branca adotasse a música negra para que ela tivesse valor na sociedade norte-americana. Mas não podemos crucificar essa juventude branca, pois ela era justamente um exemplo de gente que conseguiu romper a barreira de preconceito e exclusão – primeiramente dentro de si e posteriormente na sociedade como um todo.Não vamos acabar com os opressores transformando-os em oprimidos. Temos que acabar com a opressão, transformando os opressores em defensores dos oprimidos.

Esse é o momento onde alguns podem dizer: “vocês estão querendo roubar o nosso protagonismo”. Mas não é disso que se trata. É obvio que o protagonismo da luta contra a opressão deve ser dos que estão sendo oprimidos, mas creio ser uma estupidez gigantesca excluir outros que querem se somar a esta luta – sejam estes quem forem. Não se trata de me colocar como uma espécie de “Super Homem” que sozinho vou salvar aos coitados dos oprimidos que são incapazes de se salvar sozinhos. Não se trata de me apresentar como uma espécie de messias que, sendo superior, pode caridosamente salvar os inferiores. Trata-se justamente de apresentar a ideia de que devemos nos ver sempre como iguais, independente de credo, de etnia, de opção sexual, de condição econômica, origem, orientação política ou de qualquer outro fator desta natureza.A ideia da defesa dos direitos iguais para todos está intrinsecamente ligada a noção de solidariedade.

E aqui quero fazer uma distinção entre solidariedade e caridade; Caridade pressupõe um sentimento de piedade por parte de alguém que se julga superior para com alguém a quem julga inferior. Solidariedade pressupõe o entendimento de que somos iguais e que gera a empatia por quem sofre; não por nos sentirmos superiores, mas por sabermos que poderíamos ser nós mesmos a sofrer exatamente da mesma maneira e acreditarmos que ninguém deveria sofrer de tal modo.

Sejamos solidários e não caridosos. Sejamos inclusivos e não exclusivos. Sejamos unidos e não apartados. Temos que entender que nosso inimigo não é uma pessoa (ou grupo de pessoas) e sim uma ideia equivocada e absurda que foi implantada em nossa sociedade por séculos. Combatemos este inimigo dentro de nós e só então poderemos combatê-lo no mundo – e fazemos isso em nossas atitudes, pensamentos e sentimentos.

Não nos dividamos em castas. Devemos nos unir em torno do fato de sermos todos seres humanos – que merecem viver bem, se realizar, se desenvolver e serem felizes a despeito de quaisquer características que tenhamos como indivíduos.

E celebremos a diversidade com igualdade de direitos. Afinal, ela é a verdadeira razão da existência de toda a realidade.

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Revirando o mundo, até ao fundo abismo desce

Em seus avessos empreendimentos estéticos.

Invertendo os contextos, entretanto, se esclarece

No enigma sutil de seus invertextos entrepoéticos.

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