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  • Foto do escritorLeo Viramundo

O Irmão do Presidente

Em uma cidade do interior, viviam dois irmãos. Jorge era exatamente um ano e uma semana mais velho do que Luís. Desde criança, os dois eram bastante companheiros e faziam tudo juntos. Cresceram como grandes amigos e isso era notoriamente sabido na pequena cidade.

Quando os dois irmãos tinham pouco menos do que 20 anos, o presidente daquele país executou um golpe de estado em acordo com os militares e instaurou uma ditadura. Isso gerou uma grande divisão; conflitos explodiram por toda parte, principalmente nas capitais.Havia os que protestavam contra o governo, havia os que protestavam a favor do governo e havia a tropa de choque. De modo geral, todos participando ativamente com as armas e oportunidades que tinham nesse verdadeiro campo de batalha que as ruas viraram.

Com a polarização política e a guerra civil eclodindo por toda parte, amigos se afastaram, famílias se dividiram, casais se separaram. Até as crianças estavam divididas e aderindo aos discursos e práticas do conflito.Jorge sempre foi um idealista e aderiu imediatamente aos que resistiam ao novo regime.Luís, que sempre foi um radical, se alistou no exército para defender a pátria.Os dois irmãos ficaram anos sem ter notícias um do outro.

Cada um seguiu o caminho que escolheu com muita dedicação e seriedade. Luís tornou-se tenente e foi condecorado algumas vezes. Jorge virou o inimigo do estado mais procurado pelas autoridades.

E foi neste contexto que os dois irmãos se reencontraram.Jorge havia sido capturado e, talvez por coincidência ou talvez pelo sadismo de um certo capitão do exército, levado para um prédio do exército.

Sem saber quem era o preso, Luís foi incumbido de torturar o indivíduo para obter informações sobre sua organização e depois executá-lo.

O prisioneiro havia sido espancado com tanta violência que seu rosto estava todo inchado e cheio de feridas abertas. Seu corpo todo estava cheio de escoriações, fraturas e hematomas.Talvez por isso e pelos anos de separação – ou talvez porque já tivesse Luís feito esse trabalho muitas vezes que já nem olhava direito para seus prisioneiros – ele demorou para reconhecer o irmão. Aplicou-lhe eletrochoque, bateu nele com diversos objetos e só quando estava prestes a arrancar-lhe um dedo com um alicate deu-se conta de que estava torturando o irmão.Jorge havia reconhecido o irmão na hora em que ele entrou na sala. Mas não disse nada. Foi torturado por horas – e não disse uma única palavra. Talvez porque fosse seu compromisso com a revolução muito grande e não quisesse ele trair seus companheiros ou talvez porque quisesse ele saber até que ponto seu irmão iria e quem havia se tornado, ficou em total silêncio até o momento em que o alicate estava posicionado para lhe cortar um dedo do pé.

Neste momento, reuniu suas últimas forças para conseguir falar. Com os dentes e a mandíbula quebrados, com a boca cheia de sangue e a garganta cheia de hematomas de enforcamento, Jorge fez um esforço enorme para perguntar: “No que te transformastes, meu irmão...?”Ao ouvir a voz do irmão, Luís congelou. Quando se deu conta de que estava torturando o irmão, o choque foi tão grande que ele simplesmente ficou parado como uma estátua por mais de um minuto.Durante este choque, Luís viu um filme de sua vida passar pela sua mente. Suas memórias de infância e adolescência invadiram seus pensamentos como uma enxurrada. Jorge estava em cada uma delas. Sempre companheiro, sempre defendendo seu irmão caçula. O coração de Luís batia acelerado como um pistão de motor.

Quando recobrou a consciência, Jorge havia morrido. Tais foram os ferimentos que foram infligidos aos seu corpo que ele não resistiu e morreu. Ainda desorientado, Luís saiu caminhando e deixou a sala. Soldados entraram em seguida e removeram o corpo, que foi jogado no mar.

Uma câmera do próprio exército filmara toda a situação. E os generais assistiram. O capitão sádico teve que engolir quando Luís foi condecorado novamente, depois que o grupo de Jorge tinha sido completamente destruído.Na semana seguinte à condecoração, Luís entrou na sala onde estavam reunidos todos os maiores cabeças da inteligência do exército e matou todos com tiros de metralhadora.

No mês seguinte, através de jornais estrangeiros, publicou na íntegra os vídeos de cerca de trinta e três torturas que havia realizado pelo regime autoritário – juntamente com uma carta na qual havia uma confissão e um pedido de desculpas que dizia que a morte do irmão tinha feito com que ele repensasse tudo em sua vida.

No ano seguinte, depois de um longo sumiço e uma mudança de identidade, Luís tornou-se líder de um grupo de insurgentes que tinham por objetivo derrubar o governo – o que fizeram de fato seis meses depois disso.Luís – que agora chamava-se Jorge Luís – declarou-se presidente e convocou eleições gerais para dali a um ano.

Em seis meses, restabeleceu as instituições governamentais e a economia. A vida do país estava se reestruturando. Durante a campanha eleitoral, era a preferência de mais de 80% da população. Durante os quatro anos de seu governo, o país cresceu. A desigualdade e a violência diminuíram. O número de analfabetos, moradores de rua, trabalhadores escravos e crianças fora da escola foi reduzido a praticamente zero. A sociedade se estabilizou e todos podiam ver o resultado disso. Na campanha pela reeleição, Luís era preferência de 90% da população.

No exato momento em que a apuração dos resultados da eleição era transmitida em cadeia nacional, ele matou a si mesmo com um tiro no ouvido esquerdo, sentado sozinho em seu gabinete presidencial.

Antes de morrer, deixou para mim uma carta que contava toda esta história.

E é por isso que, como seu vice na chapa vencedora, estou hoje tomando posse como presidente da república...


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Revirando o mundo, até ao fundo abismo desce

Em seus avessos empreendimentos estéticos.

Invertendo os contextos, entretanto, se esclarece

No enigma sutil de seus invertextos entrepoéticos.

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