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  • Foto do escritorLeo Viramundo

Amar não é um conceito, amar é um exercício.

Um dos grandes equívocos histórico-culturais que nos aprisiona está ligado à noção que temos de relação e à noção que temos de amor. Por isso mesmo, todas as relações estão equivocadas – e, como conseqüência, são problemáticas. Essa é uma das máscaras que foram erguidas no imaginário e nos impedem de ver a verdadeira face da realidade.

Pra começar, toda relação pressupõe ação e reação. Não há relação sem a presença do outro e, visto que a interação com o outro é justamente o que define a presença do eu, o exercício constante e ininterrupto de interação com os diversos aspectos dos diversos outros com quem dividimos a existência é justamente o que caracteriza o existir. Existir é se relacionar. Existir é como um diálogo; necessita de interlocutores para acontecer. A única existência que podemos conceber sem a relação com o outro é a existência absoluta, que comumente se chama de Deus. Ou a completa não existência – que, de certa forma, é a mesma coisa. Deus é o emissor sem receptor. Nada é o receptor sem o emissor. Existência é interlocução.

Quando entendemos que nada é essencialmente mais real do que as relações que exercemos com tudo à nossa volta e conosco mesmos, passa a ser fundamental entender exatamente o que é relação. Porque um equívoco neste entendimento pode provocar mudanças drásticas na realidade, através da moldagem equivocada do imaginário. Relação é uma palavra que pode ser entendida de muitas formas, desde o ato de relatar (informar), passando por comparação, por listagem, semelhança, cotejo, síntese, interdependência, até mesmo ligação lógica e intervalo musical. Mas essa diversidade, na verdade é só aparente. Se observarmos bem, todos estes significados apontam para um mesmo entendimento do termo; sempre pressupondo a vinculação de algo a outro algo de qualquer forma que seja. Isso traz a noção de que o fato de existir nos pressupõe estarmos todos vinculados. Se existir é se relacionar, tudo o que existe está relacionado.

Assim, a relação toma um papel prioritário para tudo aquilo que existe. Quando o raciocínio foi invertido – fazendo com que o eu deixasse de ser parâmetro para ser objetivo e o outro deixasse seu papel de objetivo para se tornar parâmetro – a relação adquiriu um papel inverso, sendo desvalorizada. Porque o eu que está centrado somente em si não dá valor a relação nenhuma (nem consigo mesmo), justamente por pressupor sua própria completude. E porque o outro que serve de modelo não consegue estabelecer relação alguma, pois os parâmetros centrados no outro são absolutamente irreais e a relação é essencialmente real.

Poderia dizer que Deus criou a realidade para poder experimentar ser cada pequena coisa e experimentar cada pequena coisa como o outro. E nós, equivocadamente, desperdiçamos esta experiência querendo ser Deus e nos vendo como tal. Sentindo-nos exilados, quando na verdade fomos libertos. Esse é o grande equívoco a respeito das relações. O equívoco que foi construído de maneira tão sutil quanto profunda no imaginário e que resulta no nosso entendimento invertido da realidade e, conseqüentemente, das relações.

Quando nos focamos nas chamadas relações de amor... o equívoco é ainda mais desastroso, pois amor é a palavra mais mal compreendida e mais mal utilizada da história. Com a inversão do raciocínio, o amor passou a ser visto como potência – quando, na verdade, só existe em ato. O amor é amar. Quando idealizamos o amor, quando o retiramos do campo da ação pura, nós impedimos que ele aconteça. Amor é energia cinética. Não existe sem a ação de amar.

Esse equívoco faz com que venhamos chamando outras coisas por este nome. E faz com que sempre nos frustremos, porque buscamos em uma coisa algo que ela não é. Torna-se difícil entender o que é amar porque temos uma noção equivocada do que é amor. Um dos sintomas da inversão. Perdemos muito tempo definindo de diversas formas que é o amor e nunca nos importamos suficientemente em definir corretamente o que é amar. A definição do que é amor é absolutamente desimportante e necessariamente equivocada, seja ela qual for. A grande questão sempre foi saber o que é amar. Olhando invertido, pensamos que é o substantivo que define o verbo, quando é o contrário. E esse é o maior equívoco acerca do amor – o que, na realidade, faz muito sentido quando o eu torna-se objetivo e o outro torna-se parâmetro (mas, ainda assim, um grande equívoco).

Para entendermos o que é amar, precisamos primeiro desconstruir um outro grande equívoco histórico. Sempre que pensamos na definição de amar, isso pressupõe uma relação. Aprendemos na escola que quem ama, ama a alguém ou a alguma coisa. Pressupor a necessariedade da relação restringe as possibilidades de entendimento do que é amar, fazendo com que nos afastemos da realização prática desta idéia. Incrivelmente, podemos notar claramente na realidade que o verbo amar não pressupõe necessariamente a existência de um sujeito e de um objeto. E quando enxergamos a necessidade do sujeito e do objeto para que o verbo amar tenha sentido, estamos na verdade estabelecendo relações de poder e não relações de amor. Porque, logicamente, o sujeito subjuga o objeto. Hierarquizando a nossa noção do que seja amar. Daí a identificação da idéia de amar com a idéia de conquista – resultando na identificação equivocada das relações de amor com as relações de poder. Claro resultado da inversão histórico-cultural dos raciocínios.

A realidade só existe em relações, mas o amor não. O amor precede a realidade. Porque a realidade é o objetivo e o amor é a motivação. Amar é criação. Realidade é a criatura. Amor é o criador. Quando a inversão do raciocínio nos leva para longe deste entendimento, nos aprisiona. Porque o contrário do amor não é o ódio. Aquilo que chamamos ódio é apenas o encarceramento do amor – que, mesmo preso, continua sendo amor. O contrário do amor é o egocentrismo. É a indiferença. O amor gera entusiasmo – que gera a coragem. O egocentrismo e a indiferença geram arrogância, que gera o medo – e o medo é a única prisão que realmente existe. É somente pelo medo que todas as outras prisões são/foram/serão construídas.

Quem ama, ama. E só. Amar, na verdade, é um verbo intransitivo. A palavra amar vem da noção de querer bem e o querer não depende da existência do outro. O querer é justamente o grande instrumento do eu. Por isso mesmo, é também a pior das armas de destruição. A relação de amor é construtiva e, portanto, tem ferramentas. A relação de poder é desconstrutiva, por isso tem armas. Amar significa justamente sentir-se feliz pela primazia do outro na existência, ampliando cada vez mais os parâmetros do eu e tendo consciência da unidade existente entre ambos. Ou seja, é a essência do que representa a própria existência da realidade como um todo. É o grande propósito da criação. Mas amar não é pensar ou dizer estas palavras. É agir conforme a idéia que elas apresentam. O entendimento é apenas outra das ferramentas de que dispomos para experimentar ao máximo a realidade, como também nosso próprio corpo é. A existência é fundamentada na experiência e não na explicação.

Amar não é um conceito, amar é um exercício.

 

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Revirando o mundo, até ao fundo abismo desce

Em seus avessos empreendimentos estéticos.

Invertendo os contextos, entretanto, se esclarece

No enigma sutil de seus invertextos entrepoéticos.

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