O leme e o mapa
- Leo Viramundo
- 5 de jun. de 2017
- 3 min de leitura
Imagine se aquilo que entendemos como tempo for, na verdade, um “loop temporal”. O verdadeiro eterno retorno a um ponto. Se, no momento em que morremos, nossa consciência simplesmente for reiniciada e nós voltarmos ao início da nossa vida novamente. E assim sucessivamente, como uma roda que nunca pára de girar sobre o mesmo eixo.
Mas imagine que esta condição não significa que somos apenas marionetes amarrados aos fios de um destino pré-estabelecido e sim seres dotados do poder da decisão sobre seus atos, podendo a cada vez viver novos fatos, de acordo com as escolhas que faz – e com a forma com que é afetado pela escolha de cada um dos outros que coexistem neste mesmo mundo e interagem uns com os outros por ação ou omissão, inevitavelmente.
Imagine se todos os tempos da história, na verdade, existirem ao mesmo tempo. Se todos os seres que já viveram, na verdade, viverem ao mesmo tempo e a noção de passado e futuro for apenas relativa a cada vida, construindo diversas linhas temporais paralelas fechadas em infinitos ciclos de repetição individual, construídas para possibilitar a experimentação de todas as infinitas possibilidades de existência e de experiência desta existência.
Imagine se a idéia de reencarnação for uma alegoria e, na verdade, não vivermos várias vidas diferentes, mas a mesma vida várias vezes, como se para ter a chance de experimentar cada possibilidade existente para cada vida e para cada combinação de vidas que estão coexistindo. Se pudermos viver a mesma vida de forma diferente a cada vez que a vivemos, mas sempre com base nos mesmos parâmetros iniciais.
Imagine se, por um lado (intuitivamente), sempre soubermos que devemos ousar experimentar a grande variedade de escolhas, mas se por outro lado (racionalmente) tenhamos sempre que “esquecer” das vivências anteriores durante cada um destes ciclos para podermos nos focar inteiramente na vivência atual sem ficar repetindo os mesmos padrões e rumos o tempo todo. De onde, talvez, derive a noção de “karma” e de onde, possivelmente, se originem algumas das escolhas inexplicáveis que por tantas vezes fazemos.
Imagine se estes parâmetros iniciais e constantes (a identidade, propriamente) forem constantes para que possam haver infinitos parâmetros iniciais sem que eles se repitam durante as diversas vivências das diversas possibilidades de viver cada vida – o verdadeiro motivo da existência do eu.
Nesse sentido, viveríamos muitas vidas diferentes e seríamos muitas pessoas diferentes ao longo destas muitas “reencarnações”, mas sempre mantendo uma essência que é constante – aquilo que chamamos alma ou identidade. Assim, cada um sempre nasceria filho dos mesmos pais, no mesmo tempo histórico, no mesmo local geográfico, mas sempre dotados da capacidade de tomar decisões diferentes se o quisermos – o que pode nos gerar a cada vez um resultado diferente – sutil ou radicalmente.
Por este ponto de vista, a razão teria a função de lidar com a vivência de cada uma das vidas vividas enquanto são vividas e a intuição seria o instrumento através do qual buscamos variar nossas vivências a cada vida – sendo a razão renovável, originária de cada ciclo e se desenvolvendo diferentemente de acordo com cada possibilidade de vida vivida e a intuição por sua vez, sendo cumulativa, originária de uma “memória” que carregamos dos ciclos vividos anteriormente. Tendo o tempo que conhecemos como renovável e mutante e o macro-tempo que chamamos eternidade, onde estes diversos ciclos acontecem, como cumulativo e constante.
Se admitirmos a noção de que a única coisa que falta ao uno é a experiência do outro e considerarmos a idéia de que toda a realidade é apenas um estado daquilo que chamamos de “Deus”, cujo único predicado é a unidade e cujo único desejo é a experiência da multiplicidade, a busca por ter todos os predicados possíveis, onde o eu é o parâmetro de experimentação e a experiência do outro é o motivo da existência, visando a apreensão de todas as possíveis experiências do eu e o do outro, a vivência de todas as possibilidades da existência, faria bastante sentido pensar no tempo desta maneira.
Pensando assim, todas as experiências são válidas e nenhuma escolha é melhor do que as outras. Mas todas as conseqüências são sempre inevitáveis. Neste contexto, a razão seria um leme e a intuição seria um mapa.
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